23 de mai. de 2011

TEXTO DA MAGALI MORAES.























RENOMEANDO

Desde que me conheço por gente, tenho medo de cachorro. Foi herdado junto com as coxas grossas. Com o passar do tempo, nem as coxas afinaram e nem o medo passou. Mesmo assim, tive uma infância normal e uma adolescência tranquila. Consegui ter amigos, me formar, namorar, casar, procriar.

Esse medo só começou a atrapalhar na vida adulta. Não por causa dos cachorros, bem ou mal a gente se entende. O problema são os adultos. Como pode uma mulher crescida ter medo de cachorro?! É inaceitável, politicamente incorreto, quase uma falha de caráter, uma afronta. É como se eu ainda andasse de bicicleta com rodinhas.
Tem os que acham graça desse meu medo e sacodem os ombros, certos de que existem coisas bem mais importantes para resolver. E tem uma facção que se dispõe a me curar, desde que eu tope interagir com seus inofensivos pets. Vá explicar que não é assim que funciona? Detectar um ser peludo a poucos metros de distância mexe com todo o meu metabolismo.

Por uma dessas ironias da vida, casei com um homem que adora cães e estamos juntos até hoje, apesar de eu nunca ter cedido às suas súplicas. A única concessão foi comprar um dócil cãozinho de pelúcia quando descobrimos que teríamos o primeiro baby. Antes que você pense que passei adiante a maldição, posso afirmar que meus filhos convivem pacificamente com o mundo animal. E, sendo sincera, eles gostam. Aproveito para agradecer em público a todos os amigos do Rafael e do Fabio que possuem animais de estimação e fazem a gentileza de suprir essa carência.

Tenho a sensação de que não sou a única adulta com medo de cachorro (extensivo a gatos, peixes, coelhos, tartarugas e hamsters). Falando nisso, nunca vi donos de gato ou peixe dizerem “Ele não morde”. Essa frase, repetida à exaustão pelos proprietários de cães, não surte o menor efeito em pessoas como eu. Parece slogan de campanha política: desgastado e desacreditado. Eu preferia que algum dono de cachorro falasse a verdade: ”Ele não me morde, agora quanto a você... sei lá”.

Esses dias, em mais um confronto canino, tive uma epifania. Ao entrar no meu condomínio e dobrar em direção aos elevadores, fui surpreendida por três salsichas sem coleiras (sei que rottweilers seriam realmente ameaçadores, mas concentre-se na quantidade: 3!!). Minhas pernas travaram, eu poderia ter passado o resto do dia ali congelada feito bife no freezer. Devo ter feito uma cara de apavorada além do normal. Dei a explicação de praxe e meu vizinho foi taxativo:
-É fobia.

Sem dizer mais nada, ele afastou com o pé seu exército de salsichas. Solidário, abriu caminho para eu passar. Naquele momento, entendi tudo: eu estava usando a palavra errada. Adulto pode ter medo da violência, da inflação, do leão do imposto de renda e olhe lá. Ter medo de cachorro é coisa de criança. O que um adulto esclarecido tem é fobia. Quantas quiser. Fobias são compreensíveis, contemporâneas, simpáticas, urbanas, modernas. Hoje em dia quem não tem uma fobiazinha para contar?

Meu medo estava desatualizado. Precisou ser renomeado para ser aceito socialmente. Era como se eu ainda falasse em vitrola ou calça de brim coringa. Por isso, ninguém entendia. Não sei o nome do vizinho, qual é seu apartamento, se é psiquiatra ou decorador. Não importa. Graças a ele, estou curada. Não tenho mais medo de cachorro. Agora tenho fobia.


Texto da amiga Magali Moraes publicado no caderno Donna de 22 de maio de 2011.

Um comentário:

Magali Moraes disse...

Ehhhh, coisa boa ver que o meu texto aparece também nos blogs dos amigos que eu adoro!
E não esquece, quando eu for te visitar no Pacific, prende a Nikita.
beijos
Maga

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